INSTITUTO JUNGUIANO DA BAHIA
Fundamentos da Psicologia Analítica
Angela de
Oliveira Belas - Arteterapia
Giselle
Esmeraldo Cavalcanti - Psicotraumatologia
Nara Lídia
Peixoto de Lima - Arteterapia
Valter Jose
Adriano - Psicotraumatologia
ANIMA E
ANIMUS
Salvador-BA
2014
INTRODUÇÃO
Super-Homem – a Canção
Letra e música
de Gilberto Gil
Ano : 1979
Um dia
Vivi a ilusão de
que ser homem bastaria
Que o mundo
masculino tudo me daria
Do que eu
quisesse ter
Que nada
Minha porção
mulher que até então se resguardara
É a porção
melhor que trago em mim agora
É que me faz
viver
Quem dera
Pudesse todo
homem compreender, oh mãe, quem dera
Ser o verão o
apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe
O Super-Homem
venha nos restituir a glória
Mudando como um
Deus o curso da história
Por causa da
mulher
Essa letra de música do
cantor-compositor Gilberto Gil é muito apropriada para introduzir o tema objeto
desse artigo. Mal compreendida por
alguns que viam na letra uma apologia ao homossexualismo, Gil refuta tal
leitura, dizendo de forma literal que “O
que ela tem de certa forma é sem dúvida, uma insinuação de androginia (...) me interessava revelar esse embricamento (sic!)
entre homem e mulher, o feminino como
complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas
qualidades essenciais ao ser humano.[1]
É o feminino que é
homenageado nessa canção e não propriamente a mulher. O que faz o homem da música viver de uma
forma plena, inteira, é a sua alma, a sua anima
, sua porção mulher, parte integrante do seu ser.
A noção de uma
androginia essencial na constituição psíquica do ser humano é remota, presente
na obra de Platão O Banquete, especificamente no discurso de Aristófanes que
declara que para conhecer o enorme poder de Eros, do amor, é necessário
conhecer a história da natureza humana. Remete-se então ao mito da androginia que
é o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação.
Em
primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não dois como agora, o masculino
e o feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual
resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero
distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao
feminino, enquanto agora nada mais é que um nome posto em desonra. Depois,
inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos em
círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos
sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois
rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o
mais como desses exemplos se poderia supor. E quanto ao seu andar, era também
ereto como agora, em qualquer das duas direções que quisesse; mas quando se lançavam
a uma rápida corrida, como os que cambalhotando e virando as pernas para cima
fazem uma roda, do mesmo modo, apoiando-se nos seus oito membros de então,
rapidamente eles se locomoviam em círculo. Eis por que eram três os gêneros, e
tal a sua constituição, porque o masculino de início era descendente do sol, o
feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua tem de
ambos; e eram assim circulares, tanto eles próprios como a sua locomoção, por
terem semelhantes genitores. Eram por conseguinte de uma força e de um vigor
terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os
deuses(...)
Zeus
então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com
eles, e embaraçavam-se; não podiam nem matá-los e, após fulminá-los como aos
gigantes, fazer desaparecer-lhes a raça — pois as honras e os templos que lhes
vinham dos homens desapareceriam — nem permitir-lhes que continuassem na
impiedade.
Depois
de laboriosa reflexão, diz Zeus: "Acho que tenho um meio de fazer com que
os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos.
Agora com efeito, continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo
eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tornado
mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas. (Platão, 1991, p 57-58)
Uma vez cindidos deixavam
os humanos de possuírem a força que os fazia equivalentes a deuses e ficavam
condenados a viver buscando resgatar a sua outra metade. Essa unidade primordial
residiria ainda no inconsciente da psique humana e, tal como outras matérias
dessa dimensão da nossa psique, aparece-nos não de forma direta, mas através
dos sonhos e da necessidade humana de buscar reconstituir essa inteireza.
Essa porção mulher que
existe em cada homem independente da identidade sexual do seu ego, que a
psicologia junguiana traduz como o feminino interno do homem é por Jung denominado
como anima; por sua vez, o masculino
interno na mulher recebe a denominação de animus
. Tais palavras, anima e animus , têm origem latina, com os
significados de alma (anima ) e
espírito (animus ), respectivamente.
O objetivo deste artigo
é fazer uma breve revisão de aspectos conceituais do tema anima e animus da
psicologia junguiana, sem a pretensão de ser exaustiva e completa.
Apesar de todos os
avanços na civilização ocidental em termos de conquistas de direitos femininos,
de redefinição de papéis entre os gêneros, de reconhecimento de novos arranjos
familiares, e das ligações homo afetivas ainda há um forte condicionamento
sociocultural que dificulta sobremaneira ao ente masculino identificar e lidar
de forma consciente com o seu feminino interno.
A subvalorização cultural das características atribuídas ao feminino, de
sensibilidade, delicadeza, intuição, emotividade e receptividade, dentre
outras, contribui significativamente para isso.
O fato é que desde
muito cedo os nossos meninos são compelidos, com maior ou menor sutileza a
reprimirem qualquer manifestação “excessiva” de tais características a fim de
garantir que seu ego e, consequentemente, sua persona, sejam formados nos
moldes do que se atribui ao masculino.
Essa repressão do
feminino interno no indivíduo do sexo masculino não resulta no desaparecimento desse
feminino. Nesse sentido Jung sinaliza
num texto de 1928 “O Eu e o Inconsciente”, que
... A repressão de tendências e traços femininos
determina um acúmulo dessas pretensões no inconsciente. A imago da mulher (a alma) torna-se com a
mesma naturalidade, o receptáculo de
tais pretensões; por isso o homem em sua escolha amorosa, sente-se tentado a
conquistar a mulher que melhor corresponda à sua feminilidade inconsciente; a
mulher que acolha prontamente a projeção de sua alma. (Jung, Obra Completa
7/2 p 79.).
A colocação de Jung refere-se
à anima, porém, pelo lado da mulher,
se a manifestação “excessiva” de características masculinas oferece-lhe
dificuldades de ordem relacional, por outro lado, frequentemente, para
afirmar-se e ser reconhecida no âmbito profissional, por exemplo, vê-se
impelida a conter a expressão da sua natureza predominantemente feminina
imitando muitas vezes um padrão comportamental mais supostamente masculino. Essa
imitação não se confunde com o uso consciente da função do animus que será tratada mais adiante.
Numa formulação que
contempla os dois sexos Hall (1983, p. 21)
declara que
“As
qualidades culturalmente definidas como impróprias à identidade sexual do ego tendem a ser
excluídas até mesmo do alter ego ou sombra, e formam, pelo contrário, uma
constelação em torno de uma imagem contra-sexual: uma imagem masculina (animus ), na psique de uma mulher e uma imagem feminina (anima ), na psique de um homem.
Essas imagens às quais
o autor se refere são arquetípicas.
Imagens psíquicas, cada qual é uma configuração que se constitui a
partir de uma estrutura arquetípica básica.
Assim, conforme Jung,
ainda se referindo ao homem, Há uma
imagem coletiva da mulher no inconsciente do homem, com o auxílio da qual ele
pode compreender a natureza da mulher. (op cit p 80). Em relação ao animus , no mesmo livro Jung pondera que “Se não é simples expor o que se deve entender por anima , é quase
insuperável a dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus ”. (op
cit, p96). E prossegue em outro trecho
afirmando que
“Poder-se-ia supor que o animus, à semelhança da anima,
se personifica com um homem. A experiência, porém, mostra que tal suposição é
só parcialmente verdadeira; aparece uma circunstância inesperada, configurando
uma situação inteiramente diversa da do homem. O animus não se apresenta como
uma pessoa, mas como uma pluralidade de pessoas. (op cit. P98)
As mudanças históricas sócio-culturais
desde que Jung formulou tais conceitos especialmente no que toca aos papéis de
homens e mulheres, à divisão do trabalho entre esses dois gêneros, à maior
transparência social em termos da diversidade de possibilidades de uniões
afetivas e de identidades de gênero, são consideradas como suficientes para afetar
o conteúdo e a aparência da anima ou animus,
e o estudo desse tema se reveste hoje possivelmente de maior complexidade, comportando novos
desafios. Apesar disso, concordamos com
Hall quando diz que “...o papel essencial
da anima e do animus como guia do psicopompo permanece tão claro
como nas primeiras descrições de Jung”. (1983, p.23).
\
DESENVOLVIMENTO
Dentro da concepção de
psique humana oferecida pela psicologia analítica, anima e animus são
estruturas relacionais, tal como o é a persona, sendo que enquanto esta serve
ao propósito de adaptação do ego ao mundo exterior, a estrutura representada
pelo par anima /animus atua na relação do ego com seu mundo inconsciente.
Mesmo quando as imagens
anímicas de animus e anima são projetadas em outra pessoa, e
este é o modo usual como a anima ou o
animus é experimentado, elas atendem
à função de ampliar a esfera pessoal de sua consciência, estimulando o ego,
pelo fascínio envolvido na projeção, a expressar modos de ser que ainda não
foram integrados. Se tais modos de ser puderem ser integrados após a retirada
da projeção, ocorrerá um aumento do conhecimento consciente.
Jung assinala que essas
duas figuras, anima e animus pertencem ao “fundo obscuro da psique e podem
assumir numerosos aspectos. Habitam uma esfera de penumbra e
dificilmente percebemos que ambos, anima e animus , são complexos autônomos que
constituem uma função psicológica do
homem e da mulher. (Jung, Obra Completa
7/2 p 101.).
Se não forem utilizados
intencionalmente como funções continuarão a ser complexos personalizados. Ou, como diz Hall...Se a anima ou animus projetados não forem integrados o mais
provável é que o processo volte a ocorrer com alguma outra pessoa. (op cit,
p.22)
Quanto à função
intrapsíquica da anima ou do animus, seu papel dentro do indivíduo,
do mesmo modo como ocorre em forma projetada “desvia o indivíduo dos modos habituais de funcionamento, desafia-o a
ampliar os horizontes e a avançar para uma compreensão mais abrangente de si
mesmo”. (Hall,1983, p.22). Se tal ampliação não ocorre, ao invés de serem
usados como função para se relacionar com o inconsciente, atuarão como
personalidades autônomas produzindo transtornos na relação do indivíduo com as
dimensões do seu mundo interno e dificuldades de relacionamento afetivo.
Além dessa ampliação do
conhecimento de si mesmo, “...A integração
parcial da anima ou animus (que não pode ser tão completa quanto a da
sombra) auxilia a capacidade de lidar com a complexidade de outras pessoas,
assim como de outras partes da própria psique”. (Hall,1983, p.23).
Quanto à
impossibilidade de integração total da anima
e animus, entendemos que isso se deva
à região da psique onde se situam; no fundo obscuro da psique, guardiões que
são do umbral, conforme Jung (op it,
p.101), A integração, ainda que parcial
à consciência entretanto só pode ser feita uma vez que se conheça seu conteúdo,
o que envolve um processo de dialogar dando voz a essas personalidades
subjetivas que residem no interior da nossa psique e que nos conduzem aos
domínios do inconsciente coletivo o que não parece ser uma tarefa fácil, uma
vez que, sendo a imagem da anima ou do animus
uma estrutura inconsciente existente
na própria fronteira do inconsciente
pessoal e coletivo ela é essencialmente
abstrata e carece das qualidades e matizes sutis de uma pessoa real
(Hall, op cit.p23)
Esse diálogo Jung empreendeu com sua anima. Foi surpreendido
quando em certa ocasião perguntava-se sobre a natureza do que fazia, que não
lhe parecia ciência, e ouve uma voz do eu interior dizendo-lhe tratar-se de
arte, e com ela argumentou criticamente, discordando inclusive da
resposta. O fato é que a partir daí e
por um bom tempo em sua vida manteve esse diálogo com sua anima, inicialmente na forma de diálogo mesmo e depois através de
cartas a ela direcionadas, dado que se percebeu tímido diante dessa presença
invisível conforme relata em Memórias, Sonhos e Reflexões(2012, p 230-232).
Nesse mesmo texto Jung admite que só lentamente foi aprendendo a
distinguir seus pensamentos dos conteúdos da voz da anima e pontua:
O mais importante é diferenciar o
consciente dos conteúdos do inconsciente.
É necessário, por assim dizer, isolar estes últimos e o modo mais fácil
de fazê-lo é personifica-los, estabelecendo depois, a partir da consciência, um
contato com estes personagens. (Jung,2012, p 231-232).
Assim, anima animus são instrumentos para o contato do ego com os
conteúdos do inconsciente, possibilitando o encontro com o si-mesmo. Mas, embora a anima e o
animus possuam a mesma função na
psique do homem e da mulher, apresentam, conforme já sinalizado, características
específicas.
Além disso, para Jung (citado por Emma Jung, 2008), anima e animus
podem ser considerados, cada qual
como um “complexo funcional que se
comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo
modo uma personalidade interna que representa aquelas propriedades que faltam à
personalidade externa, consciente e manifesta”.
O animus é a contraparte
masculina na psique da mulher. Tem como primeira influência o pai, mas é
constituído também pelas demais figuras masculinas que venham a se relacionar
afetuosamente ao logo do desenvolvimento da mulher.
O animus acumula as
experiências ancestrais dos encontros da mulher em relação ao homem. A partir
dessas vivências, a mulher produz a imagem ideal do homem que procura. Como já
foi citado, o primeiro referencial do animus
é o pai, depois se transfere para o mestre e ídolos, projetando, por fim, esta
imagem ideal no homem amado. A respeito disso, Nise da Silveira (1992) afirma
que:
O animus condensa todas as experiências que a mulher vivenciou nos
seus encontros com o homem no curso dos milênios. E é a partir desse imenso
material inconsciente que é modelada a imagem do homem que a mulher procura. O
primeiro receptáculo do animus será o
pai. Transfere-se depois para o mestre, para o ator de cinema, o campeão
esportivo ou o líder político (Silveira, 1992, p. 85).
A imagem do pai e dos homens que passaram pela vida da mulher serão,
então, projetadas no homem amado. A ele caberá a imagem ideal que foi
construída, embora muitas vezes impossível de ser vivenciada na vida real,
podendo surgir as decepções e frustrações. Ortola (2011, p. 44) complementa que
“ao criar expectativas em relação ao
outro, a mulher acaba muitas vezes se frustrando, não percebendo que é o seu
homem interior que tem de primeiro ser levado a sério para que esse outro seja
por ela melhor tolerado”.
Para Silveira (1992, p.87) “as personificações
que o animus assume nos sonhos, contos de fada, mitos e outras produções do
inconsciente podem variar em larga escala: formas animais, selvagens,
príncipes, criminosos, heróis, feiticeiros, artistas, homens brutos e homens”. O animus
apresenta quatro estágios de desenvolvimento, a seguir:
Estágios de
Desenvolvimento do animus
|
|||
1° Estágio
|
Força
|
Força física
|
O atleta ou homem
musculoso
Ex.: Tarzan, o herói da floresta
|
2°
Estágio
|
Ato
|
Iniciativa e capacidade de planejamento
|
O homem de ação
Ex.: Ernest Hemingwa
|
3°
Estágio
|
Verbo
|
Orador público
|
O
professor ou clérigo
Ex.: Lloyd Georg
|
4°
Estágio
|
Sentido
|
Pensamento
|
O sábio
Ex.: Gandhi
|
Tabela 1 - Estágios de
Desenvolvimento do animus
Fonte: Informações
extraídas de Fraz (1977, p. 194)
Franz (1977, p. 194) descreve os estágios do desenvolvimento do animus da seguinte maneira:
“o primeiro é uma simples personificação da força física —por exemplo,
um atleta ou "homem musculoso". No estágio seguinte, o animus possui iniciativa e capacidade de
planejamento; no terceiro torna -se "o verbo", aparecendo muitas
vezes como professor ou clérigo; finalmente, na sua quarta manifestação o animus é a encarnação do ''pensamento". Nesta
fase superior torna-se [...] o mediador de uma experiência religiosa através da
qual a vida adquire novo sentido”.
Levando em consideração as características dos estágios de
desenvolvimento e também que o animus
é a energia masculina presente no inconsciente da mulher, pode-se afirmar que
ela pode influenciar e direcioná-la a assumir atitudes características
positivas dos homens, como objetividade, controle afetivo, racionalidade,
sociabilidade, força emocional, criatividade, espiritualidade, coragem
(Pereira, 2014). Realizando um processo de autoconhecimento, com o propósito de
estar em equilíbrio com o animus , a
mulher poderá potencializar a criatividade, enriquecer o lado profissional,
assim como também, construir uma relação saudável com um homem.
Entretanto, quando a pessoa não consegue se conectar ao próprio
inconsciente e acessar as informações relacionadas ao animus , os aspectos negativos deste podem ficar em evidência,
emergindo características como brutalidade, indiferença, etc. Segundo Pereira
(2014), além de prejudicar as relações afetivas,
Isto poderá refletir nas suas condutas de mulher no
sentido de torná-la mais fria e indiferente a exposição de seus sentimentos e
emoções, podendo inclusive tornar-se uma mulher arrogante e extremamente
agressiva. Além disso, poderá a mulher colocar a sua racionalidade acima de
tudo em sua vida e atitude, ou seja, as suas relações predominantes serão mais
os objetos do que as pessoas. (Pereira, 2014, p. 5)
A anima é a contraparte
feminina na psique do homem. Tem como primeira influência a mãe, mas é
constituída também pelas demais figuras femininas que possa vir a se relacionar
afetivamente ao longo da vida do homem.
Durante a primeira metade da vida, a anima irá projetar-se sobre seres reais. Já na segunda metade,
quando essas projeções externas já estiverem exauridas, emerge a mulher interna
que por anos foi reprimida, principalmente em função de crenças construídas em
torno da necessidade de contenção dos sentimentos. Segundo Silveira (1992, p.
84) este homem possivelmente, se encontrará “frequentemente amuado, tornar-se-á hipersusceptível, surgirão
intempestivas mudanças de humor, explosões emocionais, caprichos”.
Nise da Silveira (1992, p. 84) complementa que:
“A anima será transferida, sobretudo, para a mulher com
quem o homem se relacionará amorosamente, provocando os complicados
enredamentos do amor e as decepções causadas pela impossibilidade de o objeto
real corresponder, plenamente, à imagem proveniente do inconsciente.”
(Silveira, 1992, p. 84)
Assim como acontece com o animus
, a anima apresenta-se personificada nos sonhos, nos
contos de fadas, no folclore de todos os povos, nos mitos e nas produções
artísticas. e também poderá desenvolver-se e transpor estágios evolutivos.
Da mesma forma que o animus ,
a anima também apresenta quatro estágios de
desenvolvimento, a seguir:
Estágios de
Desenvolvimento da anima
|
||
1° Estágio
|
Eva
|
Relacionamento instintivo e biológico
|
2°
Estágio
|
Helena
|
Romântico e estético / Caracterizado por
elementos sexuais
|
3°
Estágio
|
Maria
|
Devoção espiritual
|
4°
Estágio
|
Sofia
|
Sapiência
|
Tabela 1 - Estágios de
Desenvolvimento do animus
Fonte: Informações
extraídas de Fraz (1977, p. 194)
Para Jung apud Franz :
“O primeiro está bem simbolizado na figura de Eva,que representa o
relacionamento puramente instintivo e biológico; o segundo pode ser representado pela Helena de Fausto:ela
personifica um nível romântico e estético que,no entanto, é também
caracterizado por elementos sexuais. O terceiro estágio poderia ser
exemplificado pela Virgem Maria – uma figura que eleva o amor (eros) à
grandeza dea devoção espiritual. O
quarto estágio é simbolizado pela Sapiência, a sabedoria que transcende até
mesmo a pureza e a santidade, como a sulamita dos cânticos de Salomão.” (Franz,
1977, p. 185)
Observa-se que enquanto o animus é exemplificado por certos
atributos, a anima é exemplificada através de personagens. Isso
se dá em função do homem desenvolver-se a partir da relação com figuras
femininas na sua vida, enquanto o desenvolvimento feminino ocorre por meio de
intervenções/influências (Jung, 2008) e isso nos remete à afirmação de Jung de que o animus
não se apresenta como uma pessoa,
mas como uma pluralidade de pessoas.
No artigo O Complexo Paterno na
Psique feminina e a sua influência nos relacionamento heterossexuais numa
perspectiva da Psicologia Analítica, Chagas e Campos enfatizam que
“O homem interior não é uma imagem única, pronta e definitiva; é uma
imagem polarizada, em alguns casos, ou muitos, ela é fragmentada e reflete
várias imagens com características múltiplas; essa imagem está passível de
desenvolver-se, transformar-se, evoluir. (p 8)
Quando a retirada da imagem da anima
em relação à sua primeira referência feminina (geralmente a mãe) não se
realiza de maneira satisfatória, acontece a transferência da anima (projeta-se a imagem da mãe) para sua parceira
conjugal. Isso, segundo Silveira (1992, p. 84) faz com que o homem espere “que a mulher amada assuma o papel protetor
de mãe, o que o leva a modos de comportamento e a exigências pueris, gravemente
perturbadoras das relações entre os dois”.
Se em equilíbrio a anima influenciará o homem com
características femininas, tais como, vaidade, fraternidade, afetuosidade,
intuição, beneficiando, assim, as relações pessoais. Segundo Pereira (2014), o
homem que se permite influenciar pela anima
torna-se menos racional e objetivo com as pessoas e também tende a ser mais
cuidadoso, generoso, paciente, gentil, atencioso,
zeloso com sua aparência e higienização, atento a sua saúde, harmonioso com seu
corpo e se permite ser mais intuitivo.
Pelo lado do animus, sua transformação caminha
paralela ao desenvolvimento da mulher, A aceitação do animus de acordo ainda com as autoras,
parece ser uma tarefa que
caminha paralela à aceitação do próprio feminino. Ela precisa do masculino para caminhar rumo à
individuação após unir-se amorosamente a ele.
Mas essa união é também um caminho que se constrói depois de
desidentificar-se com esse masculino (Chagas e Campos).
CONCLUSÃO
Por todos esses aspectos, somos levados a acreditar ser animus
/anima
estruturas subjetivas da
personalidade presentes no inconsciente mais profundo do indivíduo, capazes de
revelar características da alma e nos conduzir para os domínios do nosso
inconsciente coletivo. Representam uma ponte a ligar o interior ao exterior, o
pessoal ao impessoal, o consciente ao inconsciente, o ego ao self. São figuras
arquetípicas da psique, o que significa dizer, que não são moldadas por modelos
e padrões externos, por forças que modelam a consciência do indivíduo, de fora
para dentro, tais como família, sociedade, cultura e tradição, ao contrário,
esses modelos é que sofrem influência desses arquétipos. São forcas vitais básicas que exercem grande
influência sobre os indivíduos e a sociedade. Estão situadas fora da psique,
ligadas às formas e poderes espirituais, portanto, fora do alcance da percepção
humana, e para percebê-las só através da observação de suas manifestações. São
forças dinâmicas. São forças complementares e não opostas, como a sombra, estão
presentes em homens e mulheres, porém distribuídas de formas diferentes, sendo
responsáveis pela existência de diferenças fundamentais entre os sexos. Essa
fluidez, complementariedade e diferenciação proporciona o desenvolvimento
psicológico do individuo, desenvolvimento que se dá através do encontro do ego
com animus /anima. Esse encontro representa a conexão
do eu com um inconsciente mais profundo e embora a integração que possa
resultar seja parcial, ainda assim é mais profundamente transformadora que a
integração da sombra. Podemos concluir então que este encontro, ego – animus
/anima , resulta potencialmente numa
elevação do nível de consciência do individuo sobre si mesmo e sobre a
influência do animus ou da anima no seu comportamento e
nas suas relações. E esse conhecimento se torna mais acessível por intermédio dos relacionamentos, entre homens
e mulheres no caso de ligações hetero- afetivas. Portanto, a integração do animus
/anima é fundamental para se dar uma
conjunção saudável entre homem e mulher, para o autoconhecimento e a individuação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HALL, James A. Jung e a Interpretação dos Sonhos: Manual de Teoria e Prática. São
Paulo, Cultrix, 1983.
JUNG,
Emma. Anima e Animus, São Paulo:
Cultrix, 2006.
JUNG, C.G. Memórias,
Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2012.
JUNG, C.G. Obras Completas. Dois escritos
sobre Psicologia Analítica. v. 7/2. O Eu
e o Inconsciente. Petrópolis, Editora Vozes, 25 ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2013.
JUNG, C.G. O
homem e seus símbolos. 6 ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008
JUNG,
C. G; Wilhelm, R. O segredo da flor de ouro, 12 ed.
Petrópolis, RJ, Vozes, 2007.
PLATAO. O
banquete. 4 ed. São Paulo, Nova Cultural, 1991.
SANFORD, John A. Os Parceiros Invisíveis: O masculino e o feminino dentro de cada um de
nós. São Paulo, Paulus, 1987.
SILVEIRA, Nise da. Jung. Vida e Obra. 22 ed. São Paulo, Paz e Terra, 2011.
STEIN,
Murray. Jung: O mapa da Alma: uma
introdução. 5 ed. São Paulo,
Cultrix, 2006.